Sempre assim as rotineiras manhãs no casamento sem brilho, preso pelo fio das convenções sociais, quem sabe, melhor dizendo, da norma fundamental, a que se obriga... Entre o acordar e o adormecer, entre os dois crepúsculos dourados, o contraste do descolorido da própria vida... O suceder dos mesmos dia-a-dias, pontilhados por difusa expectativa... E agora ali, diante da janela, à espera... Pressente que virá... E virá espargindo charme, jeito blasé, de convicta sedutora entediada? Quem sabe ansiosa? Algo novo na vida... Talvez a mulher em tantas outras vislumbrada, e enfim ali inteira, encontrada, ali presente, ela mesma...
Óculos... A vista já cansada das tantas leituras, na longa procura da mulher perfeita, que sempre acreditou existisse. Acreditou... Não mais...
Sabe-a imperfeita, como todas as outras que imperfeitas são, malgrado as teias dos estudados complexos sentimentos e emoções... Sim, sabe-a perdida e imperfeita... Por mais que tenha enriquecido a mente, sempre versátil e aberta...
Jornal abandonado ao lado, tão pouco o interesse pelo moto continuo das tragédias, já tornadas rotineiras, tanto se repetem embotando os sentidos...
Aguarda... Como aguardara em tantas outras manhãs ensolaradas que ela chegasse, romanticamente, pelo vidro da janela... Sonho e razão em harmônica convivência. A ainda imprecisa bem-amada cuja ausência se faz sentir nas solitárias noites enluaradas, ou na estranha saudade configurada na chuva caindo, quando sozinho suspira à janela...
Mas, aos poucos, a manhã se transmudando... De onde os enigmáticos acordes entrando pela janela, pelos ouvidos já ansiosos, trazendo mensagens nunca antes apreendidas? E então o vê, jóia preciosa, brilhando ao sol, no bater das asas, um beija-flor pequenino, que, frenético, se aproxima, girando sobre si mesmo... Quem sabe reverência, quem sabe um beija-flor também buscando amor, amor de beija-flor...
Sonhador e curioso, assiste ao mágico balé do passarinho na roseira, no palco que a natureza ensolarada lhe empresta, beijando as belas rosas, que o recebem entre espinhos, sem magoar... Como ele próprio receberia um dia a bem amada se viesse, os espinhos da vida afastados...
Quem sabe também assim, entrando pela janela, trazida pelos secretos desejos, pelas forças da natureza, um destino escrito e cumprido entre os que se buscam respondendo a enigmáticos chamados...
O vento sopra forte agora...
Tão sensuais os movimentos da roseira... Rosas desabrocham... Há um expor-se e oferecer-se ao beija-flor... A rosa favorita encontrada. Fim da busca? Ou colhida a rosa preferida, outras rosas viriam, num infinito procurar de rosas desejadas? Suga a rosa mais querida... Que se desfolha... E com ela a própria vida? Tombará por fim sob a tristeza do pálido luar? Sob os apelos do sereno em lágrimas desfeito?
Volta à floresta o saciado beija-flor...
Já não há sol... Que as nuvens escuras trazidas pelo vento encobriram... Trovões ameaçadores se sucedem... Pressente na agitação da natureza e de si próprio que é chegado o momento do encontro... E no imprevisto cenário, nunca imaginado... Há um frenético bater de mãos nos vidros da janela... E então a vê chegar, dobrada e sofredora, molhada e suplicante, a sonhada bem amada, os braços estendidos... Tão oposto da imaginada figura sedutora... E talvez por isso mesmo mais querida... Que ele ampara e leva ao leito... E entre afagos e sonhos realizados, um frenético beija-flor e uma rosa desfolhada...
Desfaz-se o cenário. Sonho ou realidade, se pergunta ele? Não sabe... Que importa? Viveu momento de paixão... É o que conta... Talvez por instantes a outro mundo levado, na enigmática intersecção de tantos universos... Na busca do beija-flor, a sua própria busca... Um beija-flor e uma rosa desfolhada... O homem desejoso e a mulher encontrada... Cumpriu-se o que os astros decidiram? Conhece enfim o sentimento que chamará de amor...
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