No primeiro momento hesitou. Depois respirou fundo e procurou acalmar-se ouvindo as batidas do próprio coração enquanto procurava seguir as instruções do livro de auto-ajuda, recém- comprado, o qual dizia que sua mente poderia organizar suas emoções.
Ótimo! Já adquiria, de novo, a segurança para fazer o que precisava ser feito. Quanto mais adiasse, mais distante ficaria de seus objetivos.
Abriu a pasta, uma bela imitação de couro, preta, brilhante, em alto-relevo lembrando pele de jacaré, e foi direto ao compartimento que reservara para o livro. Na capa, em letras vermelhas, o título que o seduzira: Poder, amor e Dinheiro – 10 passos para a felicidade! Na contracapa a foto do autor, esbanjando felicidade, tendo ao fundo uma bela mansão, rodeada por um jardim gramado.
Releu o primeiro passo: a felicidade está em suas mãos. Cabe a você ir buscá-la: os seres humanos nasceram para serem felizes, embora as pessoas, manipuladas por teorias religiosas e sociais tendam à infelicidade, ao comodismo. Uma criança ao nascer exige dos adultos os cuidados necessários para que sobreviva: quando sente fome, chora e é saciada. Quando está com as fraldas sujas, chora e as fraldas são trocadas. Ela não sente medo de ser rejeitada ao chorar, porque instintivamente sabe que suas necessidades são prioridades que devem ser atendidas, que seus pais ou os responsáveis por ela necessitam que sobreviva para a garantia da preservação da espécie. Mas à medida em que cresce, muitos medos e culpas lhe são ministrados juntamente com sua alimentação. Ela escuta que a mamãe vai ficar triste se ela se recusar a comer um vegetal que detesta, que é feio chorar, enfim, será reprimida para se adequar à sociedade.
Então, continua o autor, este é o primeiro passo para ser feliz: manifestar sua vontade. Ignorar o medo da rejeição introjetado em sua mente durante a infância, enfrentar o desconforto do olhar desaprovador das pessoas que o rodeiam e exigir que sua vontade seja satisfeita.
Mais uma vez respirou fundo, guardou o livro na pasta e com as palavras do escritor ainda ressoando em seu cérebro, decididamente entrou no elevador e apertou o botão número 12.
Passos firmes, sentia-se um exército diante do que iria encontrar. Descobrira-se um novo homem...
Transpôs a ante-sala, sem nem mesmo observar o olhar espantado da secretária por não se anunciar. Nunca fizera isso antes, nos mais de trinta anos em que servira a empresa, alguns dos quais festejados como funcionário-padrão, reconhecido exemplo de lealdade e honestidade. Diante dos seus olhos a placa indicativa de que dali para frente era o que diziam ser o "ninho das águias", recinto privado da diretoria, em que grandes decisões eram tomadas pela palavra única de um homem de pequena estatura, calvo, olhos azuis e barbicha rala.
Ali, na sala forrada de mogno, a grande mesa de uma cabeceira só, já que ninguém até então ousara sentar-se na outra extremidade para enfrentar, olho no olho, o "Sr. Presidente", como era tratado por todos, diretores e funcionários, o senhor do império em que se tornara o pequeno negócio surgido de um empório numa rua do subúrbio. Fora lá que começara como servente, quase um menino, a carreira que agora o fazia entrar naquela sala, um sonho acalentado pelos milhares de empregados da poderosa holding.
A sala vazia dava mais imponência ainda à escrivaninha inglesa de absurdas proporções por trás da qual a figura do "Sr. Presidente" lhe pareceu insignificante.
– Sente-se.
O tom amistoso daquele homem sempre o emocionara. Fora assim durante todos aqueles anos em que sempre era solicitado para as tarefas mais difíceis, muitas das quais lhe exigiam noites insones.
No turbilhão de seus pensamentos, os ensinamentos do livro que trazia na pasta de que este é o primeiro passo para ser feliz: manifestar sua vontade. Ignorar o medo da rejeição, procurar, pela introjeção em sua mente durante a infância, enfrentar o desconforto do olhar de desaprovação das pessoas que o rodeiam e exigir que sua vontade seja satisfeita.
Percebeu que havia um pouco de suor na testa e enxugou-o com o lenço de fina cambraia que sempre fazia questão que vissem quando da tomada de grandes decisões. Havia importância, sim, naquele pequeno lenço. Sempre invejara, em sua trajetória, lenços, fossem eles em bolsos da lapela ou em aparições mágicas, alvos e perfumados, saídos de bolsos masculinos ou de bolsas femininas. Nunca encontrara explicação para o significado do lenço como poder de sedução. Mas enfim...
E foi com o lenço apertado nas mãos que deu início às suas reivindicações que lhe pareciam todas justas. Muitas delas em cobranças intermináveis da mulher e dos filhos. Férias nunca gozadas, gratificações insignificantes, aumentos obtidos por dissídios coletivos, enfim um arrazoado de injustiças que o haviam transformado aos olhos da família numa servidão humana.
Já ia pelo meio quando a voz quase maternal daquele homem de meigos olhos azuis soou como um trovão na imensa sala.
Só então voltou a lembrar-se das fraldas sujas de que falara o livro. Levou o lenço aos olhos num último gesto e jogou-se pela janela, com pasta e livro.
Poder, Amor e Dinheiro – 10 passos para a felicidade!, a exata distância da poltrona à janela...
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