Monday, February 24, 2014

BANHOS MEDICINAIS

Olhava o mar e não entendia o movimento das marés... Como ele poderia curar-me da dispnéia provocada pela asma que me atormentava? Por recomendação médica era levado à praia de Copacabana pela negra Orumba Paracatu Mandina, a neta de escrava africana que fora comprada para serviços pelo meu bisavô, senhor de terras em Saquarema.

Olhos perdidos no horizonte azul e o pestanejar com as ondas explodindo antes de chegarem mansamente a meus pés, acariciando-me com sua espuma. Mas o mar me metia medo... Um medo que me queimava o peito como os gritos de “Aúa”... Distraia-me em olhar para as papadas quando molhados que se formavam nas entre pernas das banhistas, em seus maiôs de malha de lã.

Alfabetizado muito novo no Ginásio Vera Cruz fundado por meu avô, lia os jornais, atendo-me ao diário de “Giselle, a espiã nua que abalou Paris”, publicado no vespertino carioca “Diário da Noite”. A compra dos jornais era uma de minhas tarefas. O prazer da leitura das sacanagens de Giselle com os nazistas compensava a caminhada até o Largo do Maracanã, próximo ao morro da Mangueira para onde também ia juntar-me a molecada para as peladas. Péssimo com a bola nos pés, pegar no gol era minha sina pela qualidade de ser o dono da bola.

Tempo das manchetes de uma guerra só sentida pelo racionamento do pão de tostão da “Padaria Colombo”, uma homenagem equivocada do “seu” Joaquim ao descobridor do Brasil. E das conversa dos adultos sobre os valores nutritivos das batatas que alimentavam famílias inteiras durante a guerra, a justificar a sua presença sempre à mesa, fossem fritas, cozidas ou assadas. Tempo dos meus pesadelos com os ratos que infestavam o casarão, influenciado pelas narrativas de que serviam de alimento aos guerreiros famintos. Estranho mundo que fazia guerras pela paz, formando novos impérios. E despersonalizando povos milenares em suas tradições.

Crescendo, fui ganhando o mundo negado a “Aúa”. Pela voz de Orumba Paracatu Mandina, conheci o canto triste dos negros de quem fora roubada a liberdade.

Um dia qualquer dos anos de minha infância Orumba sumiu. A falta era explicada pela morte. Liberta pela Lei do Ventre Livre, morrera de nó nas tripas depois de sofrida prisão de ventre. Quanta contradição!



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