Olhava o mar e não
entendia o movimento das marés... Como ele poderia curar-me da dispnéia
provocada pela asma que me atormentava? Por recomendação médica era levado à
praia de Copacabana pela negra Orumba Paracatu Mandina, a neta de escrava
africana que fora comprada para serviços pelo meu bisavô, senhor de terras em
Saquarema.
Olhos perdidos no horizonte azul e o pestanejar com as
ondas explodindo antes de chegarem mansamente a meus pés, acariciando-me com
sua espuma. Mas o mar me metia medo... Um medo que me queimava o peito como os
gritos de “Aúa”... Distraia-me em olhar para as papadas quando molhados que se
formavam nas entre pernas das banhistas, em seus maiôs de malha de lã.
Alfabetizado muito novo no Ginásio Vera Cruz
fundado por meu avô, lia os jornais, atendo-me ao diário de “Giselle, a espiã
nua que abalou Paris”, publicado no vespertino carioca “Diário da Noite”. A
compra dos jornais era uma de minhas tarefas. O prazer da leitura das
sacanagens de Giselle com os nazistas compensava a caminhada até o Largo do
Maracanã, próximo ao morro da Mangueira para onde também ia juntar-me a
molecada para as peladas. Péssimo com a bola nos pés, pegar no gol era minha
sina pela qualidade de ser o dono da bola.
Tempo das manchetes de uma guerra só sentida
pelo racionamento do pão de tostão da “Padaria Colombo”, uma homenagem
equivocada do “seu” Joaquim ao descobridor do Brasil. E das conversa dos
adultos sobre os valores nutritivos das batatas que alimentavam famílias
inteiras durante a guerra, a justificar a sua presença sempre à mesa, fossem
fritas, cozidas ou assadas. Tempo dos meus pesadelos com os ratos que
infestavam o casarão, influenciado pelas narrativas de que serviam de alimento
aos guerreiros famintos. Estranho mundo que fazia guerras pela paz, formando
novos impérios. E despersonalizando povos milenares em suas tradições.
Crescendo, fui ganhando o mundo negado a
“Aúa”. Pela voz de Orumba Paracatu Mandina, conheci o canto triste dos negros
de quem fora roubada a liberdade.
Um dia qualquer dos anos de minha infância
Orumba sumiu. A falta era explicada pela morte. Liberta pela Lei do Ventre
Livre, morrera de nó nas tripas depois de sofrida prisão de ventre. Quanta
contradição!
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